Uma brisa numa tarde de verão.
Como se consegue descrever em palavras certas coisas? Há coisas que apenas se sentem não se conseguem nunca descrever, ou pelo menos atingir a sua realidade. Ontem à tarde saí um pouco do buraco e vim apanhar um pouco de ar. Sentia uma brisa amena, típica de uma tarde de verão. Como é que se descreve uma brisa? Como se descreve o que ela nos faz sentir, a maneira como interage connosco a nível físico e porque não, também a nível psicológico? Poderia dizer que esta brisa não era muito forte, apenas suficiente para abanar um pouco os meus cabelos. Sentia a sua suave força a refrescar-me a face. Era uma sensação agradável, quase reconfortante, aliviava-me o peso da cabeça que 10 horas a olhar para um monitor me infligira. Havia um silêncio quase tumular, apenas interrompido pelo ocasional carro que passava na estrada. Ouvia o seu sussurrar inconstante pelas suas mudanças de intensidade e era como se estivesse num vazio. Num vazio de pensamentos apenas a apreender aquela brisa com os meus sentidos. Depois de ter dado esta descrição mesmo assim acho que não representa fielmente nada do que ela me transmitiu, simplesmente não chega lá, talvez seja a minha medíocre escrita que não permite alcançar o verdadeiro espírito daquela experiência.
Como uma brisa os sentimentos como a raiva, o amor, o ódio, a amizade, o desespero, etc não se conseguem descrever, não conseguimos transmitir fielmente o que vai dentro de nós. Por muitos adjectivos que a língua portuguesa tenha, ou até mesmo outras línguas, nenhum, ou nenhuma conjugação delas faz o retrato do que é um sentimento. Quando uma criança nos pergunta muito inocentemente o que é o amor, ficamos atrapalhados, tal como se nos perguntassem qual a distancia da terra à lua, não por não sabermos a resposta por não sermos astrónomos, mas sim porque, sabendo o que é, não o sabemos explicar, qualificar ou mesmo quantificar a sua dimensão. É impossível controlar a brisa, é impossível dominá-la ou reproduzi-la. Mesmo que eu tivesse um jarro com uma tampa naquela tarde e “apanhasse” um pouco daquela brisa e a aprisionasse dentro do jarro, no dia seguinte se o abrisse, não iria sair de lá nenhuma brisa, o jarro estaria apenas com ar, inerte e estático. Tal e qual são os sentimentos não se dominam, não se reproduzem, nunca são iguais e explicá-los é humanamente impossível. Se acham que não, tentem explicar o que é a tristeza e o que sentem quando estão a passar por esse sentimento. Tal como a tristeza podem fazer o mesmo com todos os outros sentimentos que já enumerei neste texto, depois peçam a outras pessoas que façam o mesmo e a primeira conclusão é que as várias descrições vão ser todas diferentes. E se alguém conseguir uma descrição digna de estar numa entrada de uma enciclopédia então eu dou por vencida esta minha tese. Mas até lá, vou achando que todos os que dizem que somos seres racionais porque temos a capacidade de sentir determinados sentimentos estão errados, porque essa qualidade é a mais parecida com a irracionalidade do instinto animal que ainda perdura em nós. A racionalidade apenas se nota na nossa capacidade de pensar, fazer raciocínios lógicos e aritméticos e com eles explicar, descrever e dominar quase tudo o que nos rodeia. Agora, um sentimento, esse é impossível de descrever tal como uma brisa numa tarde de verão.