Gostar de uma pessoa pode ser complicado. Nunca repararam nisso!?! Há tantas regras que têm de ser cumpridas que fazem o nosso código civil parecer um livrito de bolso e para chegar a essas regras (sim porque para cada pessoa há um conjunto de regras diferentes) é preciso uma feroz negociação que implica um consenso em que nunca ficam os dois a ganhar e por vezes ficam os dois a perder. Todos sabem que uma relação é feita de cedências das nossas manias de solteiro para um bem comum. Há coisas que fazíamos que nunca mais vamos voltar a fazer, e mesmo que um dia voltemos a fazê-las, já não vai ser a mesma coisa, porque, a outra parte deste contrato, já nos demonstrou como aquilo é parvo e idiota e quando pensamos que aquilo nos vai dar um grande gozo sentimo-nos parvos e idiotas por estarmos a voltar a fazê-las. Com os meus amigalhaços parecia sempre divertido quando íamos para os cafés frequentados por tias presunçosas fazer um cagaçal desgraçado com conversas impróprias o que resultava inevitavelmente num abandono generalizado da clientela à nossa volta. Quando contamos estas histórias hilariantes à pessoa com quem estamos, com aquele sorriso gigante a querer dizer “tem piada, não tem?”, levamos com um olhar indiferente e à medida que nos tornamos chatos a contar aquilo com mais pormenores sórdidos, na esperança que a nossa cara metade partilhe a nossa excitação quase à força, num monólogo desesperado que no fim provoca um franzir de
testa e a pergunta.
- Porque é que faziam isso?
- Porque tem piada
- Não, é simplesmente parvo. Gostavas que incomodassem quando tomas o café?
- Mas era giro
- Tá bem – e olha para o lado
Um dia vais sair com os teus amigos e decidem ir importunar tiazorras para um qualquer café in da linha e começas-te a sentir estúpido, e á medida que aquilo continua, ficas calado, não achas piada nenhuma àquilo e começas a olhar para as pessoas e a pensar “desculpem por vos estar a estragar o lanche”.
A verdade é que nos moldamos à pessoa e à relação, e nunca conseguimos voltar à forma original, nem que seja apenas na duração de uma noitada com os amigos.
A própria palavra “compromisso” é uma palavra pesada e não dá uma conotação muito feliz para aquilo que significa. Acho que devia ser uma palavra curta e alegre, existem muitas destas palavras, por exemplo “gelado”, “férias”, “giro” “dança”, são palavras alegres e divertidas e que dá gozo dizer. Soletrem lá “com-pro-mi-sso” é longa e chata de dizer, mas o seu significado não tem que ser necessariamente mau, por exemplo, “clister” é uma palavra gira mas aquilo a que se dá o nome de clister não é mesmo nada divertido.
A verdade é que quando encontramos a mulher da nossa vida (e como nós homens somos infantis e patetas) achamos que temos que nos modificar radicalmente para agradar a essa pessoa. Ora, isto logo à partida é um mau começo negocial. É o mesmo que começar um jogo de cartas com elas viradas ao contrário. Quando começamos nós a tentar pedir uma modificaçãozita mais profunda, a coisa pode não correr tão bem. É tudo uma questão de ficar em superioridade quando se começa este “negócio”, e quem está por cima não quer perder a posição inicial, no fim de discussões, já na fase do fim do encanto inicial em que já se está encantado de vez, a normalidade e um equilíbrio mais ou menos oscilante volta ao seio do casal.
Tornamo-nos subversivos, aquelas coisas que fazemos normalmente com os amigos tornam-se tabu e tentas que elas nunca descubram que as fazes. O melhor exemplo é a retenção de gazes intestinais. Quando estamos no meio dos amigalhaços não existe nada como um peido para gerar a gargalhada total e gerar uns momentos malcheirosos de boa disposição. Por vezes até gera uma competição feroz para conseguir o mais sonoro. À frente da nossa mais-que-tudo isso não pode acontecer, pois pode-se correr o risco de ela passar de mais-que-tudo, àquela-que-te-deixou-e-contou-às-amigas-todas-que-és-um-grande-porco. A solução para uma tarde inteira de contenção dos referidos gases, é depois do beijo de despedida no carro e à medida que ela se afasta em direcção à porta de casa, a libertação nauseabunda e aliviante daquele gás que se acumula há horas. É sempre giro quando elas olham para trás para dar um último aceno de adeus e pensam como estamos felizes por termos estado com ela, na verdade, naquele momento a felicidade é mesmo de termos mandado um valente traque que estávamos a prender há 5 horas, é a felicidade daquele momento de libertação. Isto não quer dizer que não tenhamos adorado passar aquele dia com a nossa cara metade, naquele momento só não estamos a pensar muito nisso, estamos só a apreciar aquele momento com um “ ahhhh que bom” seguido dum “é lá este cheira mesmo mal”, abrimos os vidros e vamos embora.
Existem no entanto outras ocasiões mais sensíveis, em que qualquer passo em falso pode tornar-se numa valente dor de cabeça e num sem fim de explicações. É preciso ter tacto prá coisa. Há outras, ainda, em que é inevitável uma certa crispação, o máximo que se pode fazer é minimizar as consequências.
Nunca vos aconteceu numa daquelas conversas em que começam logo a dizer “mas tens que ser sincero”, seguido da proposta de elencar as qualidades e os defeitos da contraparte, em que enchem a pessoa de qualidades e quando dizem um defeitozinho insignificante, como por exemplo, “és um bocado chata quando vais às compras, ficas um bocado paranóica com aquilo tudo”, a pessoa fica o dia todo amuada, a pedir justificações agressivamente e tudo o que uma pessoa pensa é “e então as 1500 qualidades que te dei!?!? não chegam para ficares feliz?!?! o único defeito é o suficiente para destruir todas aquelas qualidades e dar origem a este filme todo!!”. Se tentas fugir a estas conversas ainda é pior. Se ela te diz “O que achas de mim?” E tu respondes “Então e que tal um geladinho na esplanada?”. Começa logo o reportório do “sou assim tão má que até tens medo de falar”, por isso já sabes, enfrenta o assunto como um homem e aguenta-te à bronca.
Há coisas que à partida, quando começas uma relação, se tornam verdades absolutas: elas têm sempre razão (mesmo que não tenham, mais vale dizer que sim, contrariar só dá problemas); a maneira delas fazerem as coisas é sempre melhor que a tua (as mulheres às vezes são como os patrões e o modo de actuar é o mesmo. dizer que sim e fazer as coisas à tua maneira na mesma); vais ter que pedir desculpas mesmo que não saibas porque é que as estás a pedir (as mulheres têm coisas que nunca vais compreender. Tentar, é escusado e pode dar-te problemas. Se por acaso deixares o ketchup fora do frigorifico e ela te acusar de seres um insensível, não tentes compreender a relação ketchup-insensivel, guarda rapidamente o ketchup, abraça-a a seguir e simplesmente pede-lhe desculpa); as amigas dela sabem da tua vida sexual como talvez tu nunca venhas a saber (não penses muito nisso quando estás com elas, saber que elas sabem dos teus percalços, que a vida sexual traz sempre, e que sabem melhor do que alguma vez a tua parceira te vai contar, do que ela acha de ti, pode tornar-te paranóico. Aceita com naturalidade que falam de ti e até, eventualmente, para não dizer provavelmente, já estiveram todas a gozar contigo sobre algo de índole sexual num serão feminino qualquer.).
É sempre bom sabermos lidar com estas verdades absolutas e sabermo-nos comportar à altura do desafio, jogando com as regras impostas por este jogo amoroso. A partilha de intimidades e de uma vida, choca sempre com a individualidade de cada um, é sempre importante aprender truques e ter um certo jogo de rins para esta longa jornada correr bem e nunca ouvires o famoso “Sabes que gosto muito de ti, não sabes? Mas….”